Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF) confirmou a competência da Corte para julgar os 38 réus da Ação Penal
470. A decisão ocorreu na análise de questão de ordem apresentada pela defesa
do réu José Roberto Salgado, que pedia o desmembramento do processo para manter
na Corte apenas o julgamento dos réus com prerrogativa de foro. O pedido foi
endossado pelos advogados dos acusados Marcos Valério e José Genoíno.
A competência do Tribunal para julgar todos os acusados foi
ressaltada pelo relator do caso, ministro Joaquim Barbosa. Esse entendimento
foi seguido pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia Antunes Rocha e pelos
ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Celso de Mello,
além do presidente da Corte, ministro Ayres Britto. O relator lembrou que a
questão já foi amplamente debatida pelo Plenário na ocasião do recebimento da
denúncia, além de outras situações em que os ministros analisaram o tema ao
longo da tramitação do processo.
O ministro Joaquim Barbosa citou a Súmula 704 do STF segundo
a qual “não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido
processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao
foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”.
Argumentos da defesa
De acordo com os argumentos apresentados pelo advogado
Márcio Thomaz Bastos, defensor do réu José Roberto Salgado, apenas três dos 38
acusados poderiam ser julgados pelo STF, em razão da prerrogativa de foro
prevista na Constituição Federal. São eles os deputados federais João Paulo
Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Já o processo
contra os demais deveria ser encaminhado para a primeira instância, juiz
natural da causa, segundo o advogado.
A defesa sustentou que o STF não teria competência
constitucional para julgar os acusados que não têm prerrogativa de foro. Isso
porque esses réus não estão listados no artigo 102, I, letras “b” e “c”, da
Constituição Federal. Sustentou ainda que o envio do caso para a primeira instância
respeitaria os direitos assegurados pelo Pacto de São José da Costa Rica, no
ponto em que prevê o julgamento pelo juiz natural e o duplo grau de jurisdição.
Votos divergentes
O ministro Ricardo Lewandowski, revisor da Ação Penal 470,
votou pelo desmembramento do processo para que, consequentemente, o STF
julgasse apenas os três acusados que detêm foro por prerrogativa de função. O
ministro revisor defendeu que a prerrogativa de foro significa uma exceção e,
portanto, deve ser aplicada em situações absolutamente excepcionais.
Citou, ainda, a Convenção Americana de Direitos Humanos,
mais especificamente o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é
signatário. O pacto prevê que toda pessoa terá o direito de recorrer da
sentença a um juiz ou tribunal superior, ou seja, o duplo grau de jurisdição.
“Resolvo a questão no sentido de assentar que se faz
necessário o desmembramento do feito com relação aos réus sem prerrogativa de
foro, devendo permanecer sob a jurisdição do STF apenas aqueles que detêm tal
status processual por força da própria Constituição”, concluiu.
Seu voto foi acompanhado pelo ministro Marco Aurélio.
Favorável ao desmembramento do processo, o ministro Marco Aurélio lembrou que,
no caso do INQ 2280, em que um dos investigados era o então senador Eduardo
Azeredo, a Corte decidiu desmembrar o processo, e manifestou-se pela adoção de
solução similar na AP 470.
Maioria
Os nove ministros do STF que rejeitaram a questão de ordem
fundamentaram a decisão no argumento de que a Corte é competente para julgar
conjuntamente os 38 réus da AP 470, conforme decisões precedentes.
A ministra Rosa Weber lembrou que outros pedidos de
desmembramento do processo foram indeferidos pelos membros da Suprema Corte.
“Não se pode, no mesmo processo, voltar atrás”, afirmou a ministra. Também
partidário desta tese, o ministro Luiz Fux disse que a Constituição Federal não
veda que, uma vez estabelecida a competência originária do STF para julgar o
processo, possam ser acolhidas causas conexas. ”A regra é o julgamento
simultâneo”, observou, destacando a importância da duração razoável do
processo, que poderia ser prejudicada com a transferência do processo referente
aos réus que não têm foro privilegiado para instância inferior.
Chamou-se atenção, também, para o risco de prolação de
decisões inconciliáveis envolvendo os réus ainda sob o crivo do STF e os que
tivessem seus processos transferidos para instância inferior.
Ainda na mesma linha de votação, o ministro Dias Toffoli
afastou o argumento de que o Pacto de São José, em seu artigo 8º, garantiria o
duplo grau de jurisdição, sobrepondo-se à Constituição. Segundo ele, um pacto
internacional a que o Brasil tenha aderido não tem prevalência sobre a
Constituição brasileira. Ele defendeu a competência da Corte para examinar se
cabe desmembramento e, havendo conexão, entende que a causa deve ser mantida no
STF.
A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha acompanhou o voto do
relator, observando que a Procuradoria-Geral da República provou haver liame
entre os fatos atribuídos aos que tinham prerrogativa de foro e os que não a
possuíam.
Por seu turno, o ministro Cezar Peluso contraditou o
argumento de que o STF não teria abordado o caso sob o ponto de vista
constitucional e que este seria o fato novo para rever as decisões anteriores.
“Não há fato novo. Não há enfoque novo”, afirmou ele. O ministro também
observou que não há a possibilidade de retrocesso a fatos anteriores.
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes destacou o caráter
positivo do debate sobre a questão do foro por prerrogativa de função e do
próprio julgamento da AP 470. Ele lembrou que, em crime multidimensional, é
difícil desmembrar, pois isso dificultaria caracterizar, por exemplo, o crime
de quadrilha.
No mesmo sentido se manifestou o ministro Celso de Mello.
Ele, entretanto, propôs um debate no sentido da possibilidade de o Congresso
Nacional restringir mais a abrangência da prerrogativa de foro.
Por fim, o presidente da Corte, ministro Ayres
Britto, também seguiu o voto do relator e afirmou que “o caso é de preclusão consumativa”.
Para ele, o tema já foi amplamente discutido, inclusive quanto aos seus
aspectos constitucionais, em várias oportunidades. O presidente também fez
referência à Súmula 704, segundo ele, “de clareza meridiana”.